domingo, 11 de março de 2012

LENDAS NA GARDUNHA

A LAVADEIRA DA RIBEIRA DA ALVERCA



Em tempos passados, uma mulher, que ganhava a vida a lavar roupa das gentes do Fundão, era pouco temente a Deus e descuidada com as regras da igreja. Para ela, ser dia santo ou não, era quase a mesma coisa. Muitas vezes lhe chamaram à atenção para esse defeito. Mas ela fazia orelhas moucas. No dia de Quinta-Feira de Ascensão, ninguém podia fazer trabalho normal, porque isso era pecado grave. Muitas pessoas faziam até a comida na véspera, para respeitarem totalmente o dia, sem qualquer trabalho.
Certo ano, era dia de Quinta-Feira de Ascensão, dia santificado e muito respeitado pelos crentes, como ensinavam os Mandamentos da Lei de Deus, a mulher, que tinha uma trouxa de roupa para lavar, não quis saber que era dia santo de guarda. Pegou na roupa e foi para a ribeira de Alverca, que fica cerca de um quilómetro a leste do Fundão, para a lavar logo pela manhã. Passou pela ribeira uma mulher que a avisou para não trabalhar, porque era Quinta-Feira de Ascensão. A lavadeira riu-se e continuou a esfregar a roupa. Chega a uma hora da tarde, pela hora nova, e a lavadeira continuava a bater com a roupa no lavadouro, para lhe tirar a sujidade.
O tempo, entre a uma hora e as duas horas da tarde, era chamado a hora da reza, porque foi nessa hora que Nosso Senhor subiu ao Céu para sempre. Era uma hora em que os sinos avisavam as pessoas para rezarem, em grupos ou sozinhas, onde quer que estivessem. Nessa hora, os passarinhos batiam as asas e cantavam e as folhas das árvores punham-se em cruz, em louvor de Nosso Senhor.
Pouco depois de uma hora, ouviu-se um grande grito de aflição, pela ribeira da Alverca, e a lavadeira desapareceu com a roupa. Tudo se sumiu, como castigo, por não ser respeitado um dia sagrado.
Durante muitos anos, em Quinta-Feira de Ascensão, durante a hora da reza, quando os ares estavam serenos, ouvia-se, na ribeira da Alverca, sem que ninguém lá estivesse, o bater da roupa nas pedras e os choros da lavadeira pecadora. Era a alma dela que ficou a penar pela terra, como castigo eterno
.





terça-feira, 29 de março de 2011

SANTO ANTÓNIO NA LITERATURA POPULAR TRADICIONAL



SANTO ANTÓNIO FAZ ACHAR AS COISAS PERDIDAS E GUARDA A AZEITONA






António de Bulhões nasceu em Lisboa em 1195 e morreu em Pádua, na Itália, em 1231. Frequentou a escola da Sé de Lisboa e, ingressando na vida religiosa, foi ordenado sacerdote no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra.Tornando-se frade franciscano em 1220, foi missionário em Marrocos e na Itália. Dotado de elevados talentos de orador e pregador, sabedor e muito estudioso, São Francisco convida-o para ensinar Teologia em diversas escolas. Em 1227, foi nomeado ministro provincial no Norte de Itália, continuando a carreira de professor, em Pádua, até à sua morte. Foi proclamado doutor da Igreja, em 1946, pelo Papa Pio XII, por ter sido um notável teólogo e um insigne mestre em ascética e mística.


Santo António é um dos maiores santos populares, venerado por todo o país. Em 1934, foi declarado padroeiro de Portugal, contando-se relatos de muitos milagres atribuídos a este santo, como a sua figura foi objecto de algumas lendas populares. Diz a tradição que, ao ser proclamado santo pelo Papa, tocaram todos os sinos de Lisboa, sem que alguém os tangesse. Muito amado pelo povo, teve sempre uma grande presença na literatura tradicional popular e na religiosidade, contando-se inúmeras composições, como quadras, cantigas, responsos e romances, que ainda são cantados ou recitados, em diversas circunstâncias, especialmente nos festejos populares, organizados em sua hora.


Registam-se três responsos recolhidos em Casal da Serra (São Vicente da Beira): o primeiro a ser recitado para afastar o demónio e os males, o segundo para se encontrarem coisas perdidas e o terceiro para guardar as azeitonas, nos olivais.




Para afastar os males e achar coisas perdidas



Se milagre desejais,


Recorrei a Santo António;


Vereis fugir o demónio


E as tentações infernais.


Pela sua intenção


Foge o erro, a peste, a morte;


O fraco torna-se forte,


Torna-se o enfermo são.


Recupera-se o perdido,


Acaba-se a dura prisão;


E no meio de todo o furacão,


Cede o mar embravecido.


Todos os males humanos


Se desvanecem e retiram;


Contem-no os que viram,


Digam-no os Paduanos.




II


Santo António se alevantou,


Suas mãozinhas lavou,


Na sua varinha agarrou,


Seu caminho andou.


Encontrando Nosso Senhor,


O Senhor lhe perguntou:


- Aonde vais, António?


- Senhor, eu, para o Céu, vou!


E o Senhor lhe disse:


- Tu comigo não irás,


Tu, na terra, ficarás,


E todas as coisas


Que se perderem,


Todas, tu acharás!




Para guardar a azeitona




Santo António Pequenino,


Que anda pelos olivais,


A guardar a azeitoninha.


Que lha comem os pardais.


Sua azeitoninha por colher,


Seu azeitinho por fazer,


Para alumiar à Virgem Maria,


Que ela nos há-de valer.




Albano Mendes de Matos



segunda-feira, 25 de outubro de 2010

LITERATURA POPULAR TRADICIONAL NA GARDUNHA

SANTO ANTÓNIO E O CABELO DA RAPARIGA

Santo António - Igreja do Casal da Serra.






Uma vez, o Santo António andava a passear pelos campos, como ele gostava. Metia-se mesmo com as raparigas. Mangava com elas. Era um danado!

Naquela altura, já o trigo e o pão tinham o grão criado. Estava quase na ceifa, mas os pássaros comiam o grão. Para os espantar, os pais mandavam as filhas bater as palmas para as searas. Para isso, as raparigas andavam pelo meio da sementeira e batiam palmas, num grande alarido.

Um dia, o Santo António foi ter com as raparigas, que andavam nas searas, para brincar com elas. As raparigas disseram-lhe que naquela altura não podiam brincar, porque andavam a espantar os pássaros e tinham que bater as palmas.

Então, o Santo António lembrou-se de chamar todos os pássaros e fechou-os numa casa. Dessa maneira, já podia brincar com as raparigas: Que elas também gostavam de brincar com ele. E as sementeiras estavam guardadas.

Depois de muito brincarem, quanto lhes apeteceu, o Santo António abriu as portas da casa e os pássaros foram pelos ares. As raparigas voltaram ao seu trabalho, batendo as palmas, para os pássaros não pousarem nas espigas, na procura dos grãos.

Algumas das mães é que não gostavam que o Santo António acamaradasse com as raparigas, porque ele era malandrote. Não se sabia o que poderia acontecer.

Em certa altura, a mãe de uma rapariga, que não tinha sementeira, cortou-lhe o cabelo e escondeu-o num buraco de uma parede, para ela não ir para a rua e não ir espantar os pássaros com as outras e não brincar com o Santo António.

A rapariga, às escondidas da mãe, foi ter como o Santo António, chorando, e dizendo-lhe que a sua mãe lhe tinha cortado o cabelo, para ela não ir para as brincadeiras. Então, o Santo António, que tudo sabia, porque era Santo, foi ao buraco da parede, tirou o cabelo e colou-o na cabeça da rapariga, ficando ela com o cabelo que tinha, antes de ser cortado.

Foi um milagre do Santo António!

Fonte: MATOS, Albano Mendes de, Literatura Popular Tradicional na Gardunha, s/l, Edição do Autor, 2004, p.97-98

Ano: 1940

Local: Casal da Serra, São Vicente da Beira, CASTELO BRANCO.

Informante: José Mendes Junior.











quinta-feira, 7 de outubro de 2010

LENDAS NA SERRA DA GARDUNHA

A INVENÇÃO DOS MOINHOS




NOSSO SENHOR E O TINGIDOURO

Conta-se que, em eras muito antigas, o Diabo inventou o moinho, que tem o inferno por baixo das mós, onde está o entrosgal, conjunto de engrenagens.

Mas faltava uma coisa que puxasse a semente para as mós, para que fosse moída, esmagada entre as pedras, de que o Diabo se esquecera.

Então, Nosso Senhor veio para ajudar o homem. Fez uma cruz com dois paus, chamada tingidouro[1] que, preso pela ponta de um braço à caleta, por onde escorrega o grão, e a ponta do outro braço suspensa por um baraço, atado à moera, onde é deitado o cereal, com o pau central da cruz a roçar na mó superior, faz tremer a caleta e o grão cai, a pouco e pouco, na abertura central da mó que gira, espalhando-se para a moagem entre as duas mós.

O Diabo, diante da cruz, que é o tingidouro, fugiu a sete pés, para ir tentar gentes noutras partes.

Narrada por Laura Saraiva, 97 anos, natural de Castelo Novo, Alcaide, 1987.



[1] Tangedouro ou tangedeiro.



O moleiro apanha restos de farinha junto das mós; sobre a mó superior e ligada à caleta, vê-se o tangedouro, que, com o movimento da mó, agita a caleta para o grão cair no olho da mó.

LENDAS NA SERRA DA GARDUNHA

A LENDA DA GARDUNHA

No tempo em que vieram os Mouros, com muitas guerras, havia na povoação de Idanha-a-Velha[1] um homem viúvo e rico que se casou com uma mulher muito mais nova que ele.

Esse homem tinha uma filha da primeira mulher, ainda pequena e muito linda, que a madrasta não tratava lá muito bem, ralhando-lhe por tudo e por nada.

A menina tinha um cão, que era seu grande amigo e a acompanhava para todos os lados.

A madrasta maltratava o cão, para fazer zangar a menina que era sua enteada. A menina chorava agarrada ao cão.

Um dia, a madrasta bateu com um pau no cão e a meni-na refilou com ela. Em resposta, levou duas lambadas da madrasta, que ainda lhe disse que, se dissesse alguma coisa ao pai, que a matava. A ela e ao cão.

A menina mais se pôs a chorar. Agarrou-se ao seu amigo cão e disse-lhe que iam os dois fugir de casa. Às escondidas, arranjou uma merenda com pão, queijo e chouriça, pôs um xaile pelos ombros e correram para fora da povoação. Avistando uma serra ao longe, a menina disse para o cão:

Farrusco, vamos para aquela serra, que nós lá nos arranjamos!

O cão sacudiu as orelhas, deu dois pinotes e arrumou-se às pernas da amiga.

Lançaram-se, então, pelos caminhos na direcção da serra, que se alevantava ao longe. Caminharam, caminharam, por veredas e caminhos. Quando chegaram aos altos da serra, já estava o dia quase a acabar. Andando mais um pouco, pelo cimo, a menina viu uns grandes penedos, onde encontrou uma grande lapa[2]. O cão entrou na lapa e voltou a abanar o rabo. Com medo, a menina entrou logo na lapa, com o amigo cão. Sentaram-se e comeram a merenda. Já pelo escuro, a menina e o cão aconchegaram-se no xaile para passarem a noite. A menina estava afoita, porque tinha o cão que a guardava. Lá adormeceram.

Já com a claridade da manhã a entrar na lapa, a menina sentiu que alguém lhe batia no ombro. Levantou-se, olhou em volta, mas apenas vislumbrava alguma claridade. Ao lado, o cão pulava.

Os ares tornaram-se mais claros e no fundo da lapa apareceu um grande brilho. De lá, saiu uma Senhora muito linda, vestida de branco e a sorrir.[3]

A menina e o cão ficaram parados a olhar para a Senhora.

Então, a Senhora, com uma voz que parecia vir dos altos, disse:

- Menina! Tens de ir à tua terra, para levares um recado.

A menina arrepiou-se e perguntou à Senhora:

- Quem é vossemecê?

A Senhora, rindo-se, disse-lhe:

- Eu sou a Nossa Senhora! Vim do Céu para te ajudar, a tia e ao povo da tua terra!

A menina ficou muito atrapalhada, a olhar a Senhora.

A Senhora caminhou para junto da menina, pôs-lhe a mão no ombro e disse-lhe:

- Vai a correr à tua terra e diz ao teu pai e a todo o povo que fujam para aqui, porque os Mouros já vêm perto, para matarem tudo. Aqui, podem muito bem defender-se, para se salvarem.

A menina e o amigo cão correram logo pela serra abaixo. O cão à frente, porque conhecia melhor o caminho.

Logo que chegou à Idanha, a menina contou ao pai o que tinha acontecido. Que a Nossa Senhora lhe apareceu e que lha disse para fugirem da Idanha.

O pai não acreditou e disse à filha que ela devia estar doente ou a sonhar.

A menina continuou a dizer ao pai que tudo era verdade. Que a Senhora lhe disse que veio do Céu para os avisar e lhes acudir. Que fugissem todos para a serra, porque os Mouros já estavam perto da Idanha.

A notícia correu logo pelas ruas e pelos campos. O po-vo, cumprindo o que a Senhora dissera à menina, logo fugiu e foi acoitar-se pelos penedos e pelas lapas da serra, esperando o que viesse, bom ou mau.

Quando os Mouros chegaram, já ninguém estava na Idanha. Só encontraram as casas vazias. Correram para a serra, procurando os da Idanha, mas foram derrotados pelo povo que fugiu. Nas alturas da serra, estavam em posições vantajosas e ainda, por cima, protegidos pela Nossa Senhora.

O povo da Idanha, que fugira para a serra, por ter sido avisado pela Nossa Senhora, começou a chamar Gardunha à serra, o que queria dizer: Guardou os da Idanha[4].

O povo da Idanha-a-Velha, refugiado na serra, logo transformou a lapa, onde aconteceu a aparição, numa capela e nela colocou uma imagem da Senhora, à qual passou a chamar Nossa Senhora da Serra [5] e a adorá-la pelo milagre que fez.

Narrada por Laura Saraiva, natural de Castelo Novo, 97 anos, 1987, Alcaide.



[1] Antigamente chamada Egitânia, cidade por onde passaram alguns povos, especialmente romanos, visigodos e mouros.

[2] Lapa ou gruta, situada na Penha, sobranceira a Castelo Novo, ainda hoje chamada Lapa da Senhora da Serra. A Penha também é conhecida por Penha da Senhora da Serra.

[3] Veja-se a lenda da Nossa Senhora da Serra.

[4] Gentil Marques, em Lendas de Portugal, Vol. I, Círculo de Leitores, Lisboa, 1997, refere que o nome Gardunha surgiu de uma palavra ouvida aos Mouros, durante as lutas na serra, que gritavam: Gardunha! Gardunha!

[5] Na Lenda da Gardunha, na obra citada na nota anterior, consta a designação de Nossa Senhora da Gardunha. Por certo, que Nossa Senhora da Gardunha é uma invocação anterior à de Nossa Senhora da Serra. A Nossa Senhora da Gardunha é invocada numa capela do Souto da Casa. A Nossa Senhora da Serra é festejada, desde meados do século XIX, em Castelo Novo, em cuja Igreja se encontra a imagem. As aparições ocorrem no mesmo local.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

LITERATURA TRADICIONAL POPULAR NA GARDUNHA



Alto Pinheiro Redondo






Conta-se que, no Casal da Serra, havia um homem, de grande estatura, que tinha três filhas muito lindas. Dizia ele que era alto como um pinheiro e que as suas filhas eram as pinhas, guardadas nas alturas. Que só rapazes bem dotados e esbeltos as levariam. Ora, elas, contra a vontade do pai, enamoraram-se de rapazes pobres da terra. Em tom de mofa, um grupo de rapazes, numa noite de Carnaval, foram cantar ao pai, muito cioso das filhas, a seguinte composição.





Ó alto pinheiro redondo,

Já tens uma pinha no meio;

Ó que menina tão linda,

Filha de pinheiro tão feio.


Ó alto pinheiro redondo,

No cima tens três pinhas;

Quem me dera ser pastor,

Daquelas três meninas.


Ó alto pinheiro redondo,

Já te tiraram as cavacas;

Já descobriram teu feitio,

Já sabem as tuas faltas.





(Narrado por José António de Matos, 90 anos, Casal da Serra, em Dezembro de 1990.)

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

LITERATURA TRADICIONAL POPULAR NO ALCAIDE

A MONDA DO LINHO

Um dia, em eras passadas, quando ainda se semeava linho, uma mulher, dada a paródias, tinha um campo de linho para mondar. Para o trabalho, pediu a três comadres para a ajudarem. No dia combinado, as três comadres apresentaram-se na casa da comadre, dona do linho, para irem ao trabalho. Conversaram um bocado e a comadre foi buscar um garrafão de vinho, pão e presunto da sua lavra, para merendarem depois da monda.

Conversa puxa conversa, uma das comadres ajudantes, olhando para o vinho e o presunto, com pouca vontade de trabalhar, disse:

- Ó comadre! É melhor nós irmos merendar, primeiro!

- Ná! É melhor irmos já ao trabalho! Porque, depois, da barriga cheia, pouco se faz!

As comadres, que iam ajudar, olharam-se e disseram, à vez, em relação às ervas que enxameavam o linho, porque queriam era comer, não lhes apetecendo arrancar ervas.

Primeira comadre:
- Ó comadre! O corriol vai ao lençol! (Está rasteiro, não faz mal ao linho)
Segunda comadre:
- A margaça dá-lhe graça! (Só chega a meia altura do linho, não faz mal)
Terceira comadre:
- Ó comadre! O pimpilro está erguido! (Está alto, não faz mal)
Assim, convencida a comadre dona do linho a merendarem primeiro, as comadres comeram e beberam e o linho lá ficou por mondar, à espera de melhores dias.



Corriola - Convulvulus arvensis L


Margaça - Authemis cotula L.



Pampilho - Chrisanthemum segetum

Narrado por João Salvado Querido, 70 anos, 2001, em Alcaide-Fundão.