A LENDA DA GARDUNHA
No tempo em que vieram os Mouros, com muitas guerras, havia na povoação de Idanha-a-Velha um homem viúvo e rico que se casou com uma mulher muito mais nova que ele.
Esse homem tinha uma filha da primeira mulher, ainda pequena e muito linda, que a madrasta não tratava lá muito bem, ralhando-lhe por tudo e por nada.
A menina tinha um cão, que era seu grande amigo e a acompanhava para todos os lados.
A madrasta maltratava o cão, para fazer zangar a menina que era sua enteada. A menina chorava agarrada ao cão.
Um dia, a madrasta bateu com um pau no cão e a meni-na refilou com ela. Em resposta, levou duas lambadas da madrasta, que ainda lhe disse que, se dissesse alguma coisa ao pai, que a matava. A ela e ao cão.
A menina mais se pôs a chorar. Agarrou-se ao seu amigo cão e disse-lhe que iam os dois fugir de casa. Às escondidas, arranjou uma merenda com pão, queijo e chouriça, pôs um xaile pelos ombros e correram para fora da povoação. Avistando uma serra ao longe, a menina disse para o cão:
Farrusco, vamos para aquela serra, que nós lá nos arranjamos!
O cão sacudiu as orelhas, deu dois pinotes e arrumou-se às pernas da amiga.
Lançaram-se, então, pelos caminhos na direcção da serra, que se alevantava ao longe. Caminharam, caminharam, por veredas e caminhos. Quando chegaram aos altos da serra, já estava o dia quase a acabar. Andando mais um pouco, pelo cimo, a menina viu uns grandes penedos, onde encontrou uma grande lapa. O cão entrou na lapa e voltou a abanar o rabo. Com medo, a menina entrou logo na lapa, com o amigo cão. Sentaram-se e comeram a merenda. Já pelo escuro, a menina e o cão aconchegaram-se no xaile para passarem a noite. A menina estava afoita, porque tinha o cão que a guardava. Lá adormeceram.
Já com a claridade da manhã a entrar na lapa, a menina sentiu que alguém lhe batia no ombro. Levantou-se, olhou em volta, mas apenas vislumbrava alguma claridade. Ao lado, o cão pulava.
Os ares tornaram-se mais claros e no fundo da lapa apareceu um grande brilho. De lá, saiu uma Senhora muito linda, vestida de branco e a sorrir.
A menina e o cão ficaram parados a olhar para a Senhora.
Então, a Senhora, com uma voz que parecia vir dos altos, disse:
- Menina! Tens de ir à tua terra, para levares um recado.
A menina arrepiou-se e perguntou à Senhora:
- Quem é vossemecê?
A Senhora, rindo-se, disse-lhe:
- Eu sou a Nossa Senhora! Vim do Céu para te ajudar, a tia e ao povo da tua terra!
A menina ficou muito atrapalhada, a olhar a Senhora.
A Senhora caminhou para junto da menina, pôs-lhe a mão no ombro e disse-lhe:
- Vai a correr à tua terra e diz ao teu pai e a todo o povo que fujam para aqui, porque os Mouros já vêm perto, para matarem tudo. Aqui, podem muito bem defender-se, para se salvarem.
A menina e o amigo cão correram logo pela serra abaixo. O cão à frente, porque conhecia melhor o caminho.
Logo que chegou à Idanha, a menina contou ao pai o que tinha acontecido. Que a Nossa Senhora lhe apareceu e que lha disse para fugirem da Idanha.
O pai não acreditou e disse à filha que ela devia estar doente ou a sonhar.
A menina continuou a dizer ao pai que tudo era verdade. Que a Senhora lhe disse que veio do Céu para os avisar e lhes acudir. Que fugissem todos para a serra, porque os Mouros já estavam perto da Idanha.
A notícia correu logo pelas ruas e pelos campos. O po-vo, cumprindo o que a Senhora dissera à menina, logo fugiu e foi acoitar-se pelos penedos e pelas lapas da serra, esperando o que viesse, bom ou mau.
Quando os Mouros chegaram, já ninguém estava na Idanha. Só encontraram as casas vazias. Correram para a serra, procurando os da Idanha, mas foram derrotados pelo povo que fugiu. Nas alturas da serra, estavam em posições vantajosas e ainda, por cima, protegidos pela Nossa Senhora.
O povo da Idanha, que fugira para a serra, por ter sido avisado pela Nossa Senhora, começou a chamar Gardunha à serra, o que queria dizer: Guardou os da Idanha.
O povo da Idanha-a-Velha, refugiado na serra, logo transformou a lapa, onde aconteceu a aparição, numa capela e nela colocou uma imagem da Senhora, à qual passou a chamar Nossa Senhora da Serra e a adorá-la pelo milagre que fez.
Narrada por Laura Saraiva, natural de Castelo Novo, 97 anos, 1987, Alcaide.