sábado, 3 de maio de 2008

NOSSAS SENHORAS TEIMOSAS


Imagem de Nossa Senhora das Preces, do século XVII, que veio da Cortiçada para o Alcaide.

LENDA DA NOSSA SENHORA DAS PRECES DO ALCAIDE

Há cerca de século e meio, as terras da Cortiçada deixaram de pertencer à freguesia do Alcaide e passaram para a jurisdição de Vale de Prazeres, altura em que o desta freguesia também deixou de depender do Prior do Alcaide.

Na Cortiçada, realizava-se, anualmente, a festa em louvor de Nossa Senhora das Preces, que era orientada pelo Prior do Alcaide.

Quando da partilha de alguns bens existentes na capela da Nossa Senhora das Preces, a população do Alcaide e da Cortiçada desentenderam-se, porque ambas queriam a imagem da Nossa Senhora das Preces. As gentes do Alcaide diziam que a Nossa Senhora lhes pertencia, porque tinham dado a maior parte do dinheiro para a comprarem. As da Cortiçada afirmavam que a imagem era deles, porque a capela estava nas suas terras.

Depois de algumas discussões e algumas zaragatas, um velho homem do Alcaide, muito pegado com a Senhora, propôs levarem a Nossa Senhora das Preces até ao alto da Gardunha, do onde se avistavam a Cortiçada e o Alcaide, e perguntarem-lhe para onde queria ela ir: para o Alcaide ou ficar na Cortiçada. A população da Cortiçada aceitou a proposta, com alguma desconfiança.

O velho alcaidense, homem de habilidades e de manhas, sabido da vida, mandou fazer um grande andor para levarem a Senhora da Preces da Cortiçada para o alto da serra.

No dia combinado, as populações do Alcaide e da Cortiçada subiram, em procissão, levando a Senhora até ao alto da serra, no andor preparado. Ao chegarem ao cume da serra, com as populações de ambas as localidades em redor do andor, com a Senhora das Preces voltada para Nascente, o velho alcaidense perguntou:

- Senhora das Preces, para aonde quereis ir? Para o Alcaide ou para a Cortiçada?

A Senhora ficou parada uns instantes, como que a pensar, e voltou-se para o lado do Alcaide.

Os alcaidenses bateram palmas de contentamento e, rezando e cantando, conduziram a Nossa Senhora das Preces, no seu andor, serra abaixo, levando-a até à Igreja Matriz, onde ainda hoje se encontra num altar.

A população da Cortiçada ficou no alto da serra, a acenar com lenços, dizendo adeus à Senhora, entre choros e tristezas.

O carpinteiro alcaidense fez o andor com uma peanha, com a base móvel, onde a Senhora ia ser colocada, e, por baixo, deixou uma cavidade onde se escondeu um homem, de fraca figura, para não ser muito o peso, que, à pergunta do velho alcaidense, voltou, por meio de uma pega, a Nossa Senhora das Preces para o lado do Alcaide.

Por esta artimanha, com a peanha amovível, a Senhora das Preces foi introduzida no número das Senhoras teimosas, que fogem para as suas capelas, quando as retiram, ou se viram para onde querem ir.

Até há poucas dezenas de anos, os alcaidenses, para mangarem com os da Cortiçada, acenavam-lhes, da serra, com lenços.

O Alcaide festejou, anualmente, a Nossa Senhora das Preces até meados do século XX.

A população da Cortiçada, para remediar o sucedido, comprou outra Senhora das Preces e continua a festejá-la todos os anos, pela Páscoa.


Narração de José Mendes Feliz, 86 anos, 1992, Alcaide.


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