segunda-feira, 25 de outubro de 2010

LITERATURA POPULAR TRADICIONAL NA GARDUNHA

SANTO ANTÓNIO E O CABELO DA RAPARIGA

Santo António - Igreja do Casal da Serra.






Uma vez, o Santo António andava a passear pelos campos, como ele gostava. Metia-se mesmo com as raparigas. Mangava com elas. Era um danado!

Naquela altura, já o trigo e o pão tinham o grão criado. Estava quase na ceifa, mas os pássaros comiam o grão. Para os espantar, os pais mandavam as filhas bater as palmas para as searas. Para isso, as raparigas andavam pelo meio da sementeira e batiam palmas, num grande alarido.

Um dia, o Santo António foi ter com as raparigas, que andavam nas searas, para brincar com elas. As raparigas disseram-lhe que naquela altura não podiam brincar, porque andavam a espantar os pássaros e tinham que bater as palmas.

Então, o Santo António lembrou-se de chamar todos os pássaros e fechou-os numa casa. Dessa maneira, já podia brincar com as raparigas: Que elas também gostavam de brincar com ele. E as sementeiras estavam guardadas.

Depois de muito brincarem, quanto lhes apeteceu, o Santo António abriu as portas da casa e os pássaros foram pelos ares. As raparigas voltaram ao seu trabalho, batendo as palmas, para os pássaros não pousarem nas espigas, na procura dos grãos.

Algumas das mães é que não gostavam que o Santo António acamaradasse com as raparigas, porque ele era malandrote. Não se sabia o que poderia acontecer.

Em certa altura, a mãe de uma rapariga, que não tinha sementeira, cortou-lhe o cabelo e escondeu-o num buraco de uma parede, para ela não ir para a rua e não ir espantar os pássaros com as outras e não brincar com o Santo António.

A rapariga, às escondidas da mãe, foi ter como o Santo António, chorando, e dizendo-lhe que a sua mãe lhe tinha cortado o cabelo, para ela não ir para as brincadeiras. Então, o Santo António, que tudo sabia, porque era Santo, foi ao buraco da parede, tirou o cabelo e colou-o na cabeça da rapariga, ficando ela com o cabelo que tinha, antes de ser cortado.

Foi um milagre do Santo António!

Fonte: MATOS, Albano Mendes de, Literatura Popular Tradicional na Gardunha, s/l, Edição do Autor, 2004, p.97-98

Ano: 1940

Local: Casal da Serra, São Vicente da Beira, CASTELO BRANCO.

Informante: José Mendes Junior.











quinta-feira, 7 de outubro de 2010

LENDAS NA SERRA DA GARDUNHA

A INVENÇÃO DOS MOINHOS




NOSSO SENHOR E O TINGIDOURO

Conta-se que, em eras muito antigas, o Diabo inventou o moinho, que tem o inferno por baixo das mós, onde está o entrosgal, conjunto de engrenagens.

Mas faltava uma coisa que puxasse a semente para as mós, para que fosse moída, esmagada entre as pedras, de que o Diabo se esquecera.

Então, Nosso Senhor veio para ajudar o homem. Fez uma cruz com dois paus, chamada tingidouro[1] que, preso pela ponta de um braço à caleta, por onde escorrega o grão, e a ponta do outro braço suspensa por um baraço, atado à moera, onde é deitado o cereal, com o pau central da cruz a roçar na mó superior, faz tremer a caleta e o grão cai, a pouco e pouco, na abertura central da mó que gira, espalhando-se para a moagem entre as duas mós.

O Diabo, diante da cruz, que é o tingidouro, fugiu a sete pés, para ir tentar gentes noutras partes.

Narrada por Laura Saraiva, 97 anos, natural de Castelo Novo, Alcaide, 1987.



[1] Tangedouro ou tangedeiro.



O moleiro apanha restos de farinha junto das mós; sobre a mó superior e ligada à caleta, vê-se o tangedouro, que, com o movimento da mó, agita a caleta para o grão cair no olho da mó.

LENDAS NA SERRA DA GARDUNHA

A LENDA DA GARDUNHA

No tempo em que vieram os Mouros, com muitas guerras, havia na povoação de Idanha-a-Velha[1] um homem viúvo e rico que se casou com uma mulher muito mais nova que ele.

Esse homem tinha uma filha da primeira mulher, ainda pequena e muito linda, que a madrasta não tratava lá muito bem, ralhando-lhe por tudo e por nada.

A menina tinha um cão, que era seu grande amigo e a acompanhava para todos os lados.

A madrasta maltratava o cão, para fazer zangar a menina que era sua enteada. A menina chorava agarrada ao cão.

Um dia, a madrasta bateu com um pau no cão e a meni-na refilou com ela. Em resposta, levou duas lambadas da madrasta, que ainda lhe disse que, se dissesse alguma coisa ao pai, que a matava. A ela e ao cão.

A menina mais se pôs a chorar. Agarrou-se ao seu amigo cão e disse-lhe que iam os dois fugir de casa. Às escondidas, arranjou uma merenda com pão, queijo e chouriça, pôs um xaile pelos ombros e correram para fora da povoação. Avistando uma serra ao longe, a menina disse para o cão:

Farrusco, vamos para aquela serra, que nós lá nos arranjamos!

O cão sacudiu as orelhas, deu dois pinotes e arrumou-se às pernas da amiga.

Lançaram-se, então, pelos caminhos na direcção da serra, que se alevantava ao longe. Caminharam, caminharam, por veredas e caminhos. Quando chegaram aos altos da serra, já estava o dia quase a acabar. Andando mais um pouco, pelo cimo, a menina viu uns grandes penedos, onde encontrou uma grande lapa[2]. O cão entrou na lapa e voltou a abanar o rabo. Com medo, a menina entrou logo na lapa, com o amigo cão. Sentaram-se e comeram a merenda. Já pelo escuro, a menina e o cão aconchegaram-se no xaile para passarem a noite. A menina estava afoita, porque tinha o cão que a guardava. Lá adormeceram.

Já com a claridade da manhã a entrar na lapa, a menina sentiu que alguém lhe batia no ombro. Levantou-se, olhou em volta, mas apenas vislumbrava alguma claridade. Ao lado, o cão pulava.

Os ares tornaram-se mais claros e no fundo da lapa apareceu um grande brilho. De lá, saiu uma Senhora muito linda, vestida de branco e a sorrir.[3]

A menina e o cão ficaram parados a olhar para a Senhora.

Então, a Senhora, com uma voz que parecia vir dos altos, disse:

- Menina! Tens de ir à tua terra, para levares um recado.

A menina arrepiou-se e perguntou à Senhora:

- Quem é vossemecê?

A Senhora, rindo-se, disse-lhe:

- Eu sou a Nossa Senhora! Vim do Céu para te ajudar, a tia e ao povo da tua terra!

A menina ficou muito atrapalhada, a olhar a Senhora.

A Senhora caminhou para junto da menina, pôs-lhe a mão no ombro e disse-lhe:

- Vai a correr à tua terra e diz ao teu pai e a todo o povo que fujam para aqui, porque os Mouros já vêm perto, para matarem tudo. Aqui, podem muito bem defender-se, para se salvarem.

A menina e o amigo cão correram logo pela serra abaixo. O cão à frente, porque conhecia melhor o caminho.

Logo que chegou à Idanha, a menina contou ao pai o que tinha acontecido. Que a Nossa Senhora lhe apareceu e que lha disse para fugirem da Idanha.

O pai não acreditou e disse à filha que ela devia estar doente ou a sonhar.

A menina continuou a dizer ao pai que tudo era verdade. Que a Senhora lhe disse que veio do Céu para os avisar e lhes acudir. Que fugissem todos para a serra, porque os Mouros já estavam perto da Idanha.

A notícia correu logo pelas ruas e pelos campos. O po-vo, cumprindo o que a Senhora dissera à menina, logo fugiu e foi acoitar-se pelos penedos e pelas lapas da serra, esperando o que viesse, bom ou mau.

Quando os Mouros chegaram, já ninguém estava na Idanha. Só encontraram as casas vazias. Correram para a serra, procurando os da Idanha, mas foram derrotados pelo povo que fugiu. Nas alturas da serra, estavam em posições vantajosas e ainda, por cima, protegidos pela Nossa Senhora.

O povo da Idanha, que fugira para a serra, por ter sido avisado pela Nossa Senhora, começou a chamar Gardunha à serra, o que queria dizer: Guardou os da Idanha[4].

O povo da Idanha-a-Velha, refugiado na serra, logo transformou a lapa, onde aconteceu a aparição, numa capela e nela colocou uma imagem da Senhora, à qual passou a chamar Nossa Senhora da Serra [5] e a adorá-la pelo milagre que fez.

Narrada por Laura Saraiva, natural de Castelo Novo, 97 anos, 1987, Alcaide.



[1] Antigamente chamada Egitânia, cidade por onde passaram alguns povos, especialmente romanos, visigodos e mouros.

[2] Lapa ou gruta, situada na Penha, sobranceira a Castelo Novo, ainda hoje chamada Lapa da Senhora da Serra. A Penha também é conhecida por Penha da Senhora da Serra.

[3] Veja-se a lenda da Nossa Senhora da Serra.

[4] Gentil Marques, em Lendas de Portugal, Vol. I, Círculo de Leitores, Lisboa, 1997, refere que o nome Gardunha surgiu de uma palavra ouvida aos Mouros, durante as lutas na serra, que gritavam: Gardunha! Gardunha!

[5] Na Lenda da Gardunha, na obra citada na nota anterior, consta a designação de Nossa Senhora da Gardunha. Por certo, que Nossa Senhora da Gardunha é uma invocação anterior à de Nossa Senhora da Serra. A Nossa Senhora da Gardunha é invocada numa capela do Souto da Casa. A Nossa Senhora da Serra é festejada, desde meados do século XIX, em Castelo Novo, em cuja Igreja se encontra a imagem. As aparições ocorrem no mesmo local.